Está autorizado a usar força letal em defesa de (mera) propriedade?

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Answered Questions

Resposta rápida:

  1. Se está a defender a sua própria vida, ou a vida de outros inocentes, a força mortal é justificada.
  2. Se estiver a defender meros bens pessoais (não vidas), a força letal não é justificada.

A lei bíblica é clara: o uso da força mortal é legal na defesa de si próprio ou de outros (inocentes). Abordarei a defesa pessoal numa pergunta à parte. Nada abaixo deve ser considerado como impedindo o uso de força letal em defesa da vida de uma pessoa.

Mas e a defesa da mera propriedade? Se alguém está a danificar ou a roubar bens de uma forma que não constitui uma clara ameaça à vida de alguém, pode ser usada a força mortal? Esta pergunta surgiu recentemente com os tumultos generalizados nos Estados Unidos e noutros locais, e há uma resposta bíblica: Não.

Vejamos a passagem principal da Escritura que estabelece isto:

2 If the thief is found breaking in, and is struck so that he dies, there shall be no guilt of bloodshed for him. 3 If the sun has risen on him, he is guilty of bloodshed. He shall make restitution. If he has nothing, then he shall be sold for his theft. Exodus 22:2-3WEB

Como em muitas das leis de casos bíblicos, há mais do que um caso enredado no texto:

  1. O caso de um ladrão que invade uma casa à noite, e é morto pelo proprietário, sem culpa de sangue atribuída ao proprietário.
  2. O caso de um ladrão que invade uma casa durante o dia, e é morto pelo proprietário, sem culpa de sangue atribuída ao proprietário.

Se entendermos os casos desta forma, isso mostra que não é permitida a força letal para meros crimes contra a propriedade. Por outro lado, a força letal é permitida quando há uma questão sobre se o intruso representa uma ameaça de danos corporais (isto é, à noite). Ao proprietário é dado o benefício da dúvida legal quando o crime acontece à noite, mas não se o sol nascer (o intruso pode ser claramente visto como um mero ladrão/ladrão, e não como um ladrão). Este entendimento faz o melhor sentido do texto. É tomado desta forma por R. Alan Cole, no seu comentário sobre o Êxodo (série Tyndale Old Testament Commentary):

Matar um ladrão a escavar através da parede de tijolo de lama (Ezequiel. 12:5) é um homicídio justificável, se feito depois de escurecer. Ele pode ser um assassino armado, pois tudo o que o dono da casa sabe. A sua morte pode até ter sido acidental, na luta errada na escuridão. Mas à luz do dia, o dono da casa não tem desculpa para matar: além disso, pode identificar o homem. É típico da lei misericordiosa de Israel que mesmo um ladrão tenha os seus direitos.

Também é tomado desta forma por Joe Sprinkle em O Livro do Convénio:

Enquanto que em algumas circunstâncias, como quando um ladrão entra à noite, não se pode ser responsabilizado por tirar a vida ao ladrão (Exod. 22.1), isto não é uma questão de punição mas sim de autodefesa. Em contraste com as leis mesopotâmicas, a Bíblia diz que matar um ladrão traz a culpa de sangue ao assassino, tal como faria se ele matasse um não-ladrão (Exod. 22.2a). Por outras palavras, Deus não sanciona a pena capital por roubo de propriedade, e aqui oferece protecção legal para o ladrão. (p. 132)

Também Brevard Childs (The Book of Exodus):

A lei procura proteger as vidas de ambas as partes envolvidas. O proprietário é exonerado se matar o intruso durante a noite em defesa da sua casa. Inversamente, a vida do ladrão também é protegida pela lei. Se ele for morto em plena luz do dia, então o assassino é considerado responsável pelo homicídio e é vulnerável à vingança de sangue (Num. 35.27; Dt. 19.10). (p. 474)

Também Douglas Stuart (Exodus [Novo Comentário Americano]):

Defender a propriedade à noite, quando a capacidade de ver é limitada, significa que não se pode ser tão subtil na aplicação da força como seria possível durante o dia, especialmente devido à dificuldade de ver se um intruso tem ou não uma arma.... Assim, a presente lei permite o uso de força mortal contra os ladrões intrusos desde o pôr-do-sol até ao nascer do sol, mas não durante o dia. O proprietário podia ainda defender-se contra o roubo durante o dia, mas não podia usar força letal no processo. (p. 503)

Quero examinar uma interpretação alternativa deste verso oferecido recentemente por James White no seu programa The Dividing Line:

Então, bate-se no tipo e ele está morto. É isso mesmo. Mas, [citando Exod. 22:3] "se o sol se levantou sobre ele", por outras palavras, se ele sobreviver - ele está inconsciente - mas "o sol se levantou sobre ele, haverá sangue por causa dele". Agora a minha suposição é que ...o que as pessoas diziam é que ... "bem, não, se o consegues ver porque está apagado, então não o podes atingir. No escuro, era uma coisa..." Não, não é essa a questão, porque o que diz o resto do verso? "Haverá maldade por sua causa"... por outras palavras, cometeu um pecado que trouxe maldade: ele é um ladrão. "Ele certamente fará a restituição. Se ele não possuir nada, então será vendido pelo seu roubo". Quem é o "dele"? Quem é o "dele"? Não é o "dono da casa". É o ladrão. Porque diz "ele será vendido pelo seu roubo". Portanto, não há aqui nada sobre o proprietário em apuros, de todo, por fazer qualquer coisa. A questão é que, se ele viver, então vai ter de lidar com a sua maldade, vai ter de fazer a restituição.[1]

Na interpretação do Dr. White, a passagem Exod. 22 permitiria a um proprietário matar um mero ladrão -- tecnicamente "ladrão", já que ele estava a invadir -- quer fosse de noite ou de dia. Assim, o Dr. White opõe-se à interpretação comum que estabeleci acima, pelo que parecem ser duas diferenças importantes:

  1. Ele toma o segundo caso (no versículo 3) como referindo-se a um ladrão que não é morto, mas meramente "nocauteado", acordando depois de "o sol ter nascido".
  2. Ele afirma que o ladrão ferido (não o proprietário) é aquele a quem a culpa de sangue deve ser atribuída no versículo 3.

Há dois grandes problemas com a interpretação do Dr. White:

  1. A primeira menção de "maldição de sangue" (versículo 2) parece referir-se à falta de maldição de sangue do proprietário da casa. Referir-se a uma falta de sangue por parte de um ladrão morto não faria sentido do ponto de vista da jurisprudência (porque não faria parte das decisões de um juiz). No entanto, a atribuição positiva de falta de sangue no versículo 3, por parte do Dr. White, refere-se ao ladrão, não ao proprietário da casa. Em outros casos "enredados" como este (Exod. 21:18-19, Exod. 21:20-21, Exod. 21:28-29, Deut. 22:23-26), os casos paralelos estabelecem princípios importantes que distinguem a culpa ou inocência de uma determinada pessoa. No caso de um ladrão/ladrão, não há dúvida de que ele é culpado, por definição: é rotulado literalmente como um "ladrão". Não há qualquer distinção nos casos que possam pôr isto em causa. Contudo, no entendimento mais comum, a distinção dos casos é clara: o proprietário tem culpa de sangue se matar durante o dia, mas não se matar durante a noite.
  2. A "culpa de sangue", na lei bíblica, não é imputada em parte alguma por meros crimes patrimoniais (crimes que nunca exigem uma pena de morte). A palavra hebraica usada para crimes contra a propriedade "culpa" é, antes, asham (אָשַׁם): Lev. 6:4, Num. 5:6. Por outro lado, a culpa de sangue é imputada para crimes de pena de morte como homicídio ou homicídio negligente: Deut. 22:8; Juízo 9:24.
  1. White, Dividing Line, 1 de Junho de 2020, https://youtu.be/4U_-wF37EQ0?t=4322